Em Deus Confiámos - A Telefonia Que Sabia Demais
Não sei o que me levou a embarcar. Uma estranha ânsia de encontrar uma explicação plausível para aquilo apoderara-se de mim e guiara-me os movimentos.
Agora faltavam apenas dois dias para o paquete chegar a New York e a minha ansiedade aumentava. Sempre fui nervosa, mas não a este ponto.
Devem interrogar-se sobre o facto que me levou a atravessar o oceano, de Southampton a New York, gastando a maior parte das minhas economias, não é? Pois bem...
Gordon não era meu amigo. Não tenho amigos nem família, digamos que estou só no mundo.
Gordon não era meu amigo, mas aparecia por vezes lá em casa. Fora ele quem trouxera a telefonia, dissera que para preencher os meus momentos de ócio. Falava sempre como se estivesse numa sala barulhenta e se quisesse fazer ouvir por todos. O silêncio fugia da minha casa quando ele chegava.
- Olá, Karen! Então esses ossos? – disse ele no seu vozeirão quando lhe abri a porta. O cumprimento também era habitual.
Trazia uma enorme caixa de cartão colocada à frente da sua barriga, o que o fazia parecer ainda mais gordo. Entrou sem cerimónias.
- Posso pô-la no sofá? – perguntou, mas não esperou pela resposta para colocar a caixa no meu sofá.
- O que é isso? – indaguei.
Olhou para mim com a vivacidade habitual nos seus pequenos olhos.
- Uma telefonia! – berrou triunfante.
- Uma quê?
- Ora essa! Uma telefonia sem fios, para escutares a BBC e tudo o resto.
Fiquei sem saber o que dizer.
- Mas... para que preciso eu de uma telefonia?
- Miss Tillman, não gosta do meu presente?
Passei-lhe o braço pelas costas.
- Claro que sim, Gordon. Fico muito contente, mas deve ter-te custado muito dinheiro.
- Pelo contrário, não me custou nada. Ganhei-a num concurso, não me custou absolutamente nada! – disse convicto.
Saiu da minha casa uns minutos depois, apressado por uma festa a que tinha de estar presente. Deixou a telefonia instalada na minha sala, como se fosse um monumento.
"... e o satélite russo continua a enviar os seus bips para a Terra. A pequena esfera chamada Sputnik continua a maravilhar a humanidade..."
Nos últimos dias não se falava noutra coisa senão no satélite russo, mas isso eram assuntos que não me despertavam grande interesse. Continuei a comer o meu almoço enquanto ouvia a música que saía da caixa da telefonia.
Houve um zumbido estranho e a música parou. Oh, Gordon maldito, a tua maldita caixa de música avariou-se! Já estava a pensar na despesa que o seu conserto acarretaria quando uma voz brotou novamente do aparelho:
"... As últimas notícias são contraditórias. Enquanto algumas fontes nos garantem que o Presidente está livre de perigo, outras informações dizem-nos que este já faleceu devido aos ferimentos sofridos. O que parece certo é que o Presidente Kennedy foi de facto atingido pelos disparos efectuados por um atirador de que até agora se desconhece a identidade. Daqui de Dallas é tudo por agora neste fatídico dia de Novembro de 1963. Bob McGinter para a BBC."
Parei de comer. Que data referira ele? Mil Novecentos e Sessenta e Três? Meu Deus! Estaria a ficar louca, ou seria tudo aquilo uma brincadeira? Na BBC?! Não, era impossível, teria de existir outra explicação.
A voz calara-se momentos antes. Ouviu-se de novo o zumbido e depois a música tornou a inundar a sala. Afastei o prato de mim. Tudo aquilo me tirara o apetite.
O fenómeno repetiu-se três vezes durante um mês e a última vez foi demais para mim. Peguei na telefonia e atirei-a pelo ar. Sobrevoou metade da sala e esmagou-se contra o soalho, desconjuntando-se. Aproximei-me dos destroços já arrependida do que fizera. Um papel colado no interior do que fora a parte traseira do aparelho despertou-me a atenção. Era de um pálido cor-de-rosa e continha um nome e uma morada: New World Corp., 53 46th Street, N.Y.
O bulício no porto era grande e a dificuldade em arranjar um táxi ainda maior. Quando finalmente o consegui era hora de almoço. Dei-lhe a morada do hotel onde ia ficar. Só lá fiquei o tempo necessário para deixar as malas no quarto e tomar um banho rápido.
Almocei num pequeno restaurante que me despertara a simpatia ao passar por ele. Por vezes actuo obedecendo aos meus ímpetos. Quando saí todo o ruído da cidade me bateu em cheio. Procurei um táxi.
- Para onde, Miss?
- Ehm... Rua 46, nº 53.
Demorámos meia hora a lá chegar. Era um edifício antigo, com um aspecto desleixado, cinco andares empilhados e janelas de vidros sujos. A New World Corporation era no primeiro andar, por isso fui pelas escadas. De qualquer maneira o elevador não me inspirara confiança.
Ouvi a campainha ressoar através da porta que se abriu quase imediatamente. O homem tinha uma aparência estranha e umas roupas com um aspecto impessoal.
- Boa tarde, eu vinha...
- Nós sabemos, Miss Tillman. Queira entrar e seguir-me.
Fui atrás dele ao longo de um corredor comprido, até que ele abriu uma porta de madeira com vidro fosco na sua parte superior.
- Por aqui, Miss.
Na sala não havia janelas mas havia uma pessoa, um homem, e eu aproximei-me dele. Usava roupas bem antiquadas e chapéu, que conservava nas mãos.
- Boa tarde, sou Karen Tillman.
Levantou-se e estendeu-me a mão.
- Olá! O meu nome é Roger Dipwater.
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